Por trás do nome Karoline Maia colocado na porta do gabinete da unidade do Ministério Público da comarca de Senador José Porfirio, no Pará, está uma trajetória de persistência e superação.
Ex-aluna do Projeto Identidade, iniciativa da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e implementada pela Fundação Pedro Jorge (FPJ) com apoio da Educafro, Karoline Bezerra Maia é a primeira promotora quilombola do Brasil.
“Foi um momento de êxtase, transbordava de felicidade, satisfação e realização não apenas pessoal, mas de toda a minha família, dos meus pais, que não estão mais presentes fisicamente, de toda a minha ancestralidade”, disse a jovem ao ser empossada como promotora de Justiça do Ministério Público do Pará.
Pertencente à comunidade quilombola de Jutaí, localizada no município maranhense de Monção, a jovem foi a primeira da família a ingressar e concluir o ensino superior.
O passo seguinte foi conciliar o trabalho, num escritório de advocacia, e o estudo, para ser aprovada num concurso público. Foi aí que o Projeto Identidade da ANPR caiu como uma luva.
A notícia de que havia chances de ganhar um curso de preparação ocorreu num momento em que sobravam sonhos e faltavam condições, principalmente, de ordem financeira para jovem.
“Conheci o projeto por meio de um post da professora e procuradora da República Nathália Mariel sobre os requisitos para seleção e fui uma das beneficiadas. O Projeto Identidade tem parte fundamental na minha aprovação, pois tivemos aula de como estudar e esquematizar os estudos com o Eduardo Gonçalves, tivemos sessões com terapeutas, aulas gravadas e ao vivo com professores voluntários. Recebi um aporte financeiro de R$ 2,5 mil, por mês, durante seis meses”, relembra Karoline.
A bolsa foi um desdobramento do projeto e contou com financiamento da Fundação Ford para dez alunos, durante seis meses.
Nesta nova fase da vida da jovem promotora, ficará o vazio de um abraço de um casal de pretos, quilombolas, analfabetos, que, certamente, desejaram um futuro diferente para os seis filhos.
Erozino Boaventura Maia e Raimunda Bezerra Maia morreram antes de ver a filha se tornar uma doutora. É por eles e por milhares de brasileiros marginalizados e oprimidos pelas desigualdades que a promotora de Justiça Karolina Maia continuará a lutar.
“Quais os meus planos? Entrar em exercício na comarca e exercer a função com excelência para que por meio do Ministério Público sejam garantidos os direitos sociais em especial da população quilombola, indígena e tradicionais”, finaliza a nova promotora do MP do Pará.
Entusiasmo pela jovem
Foi com entusiasmo e orgulho que a ANPR e, em especial, a Comissão ANPR Raça, foi informada da posse da estudante. Segundo a coordenadora adjunta da instituição, Nathália Mariel, que foi professora de Karoline, o projeto não existe apenas para ter como único objetivo a aprovação dos alunos.
“Mas também pelo empoderamento e crescimento de todo um coletivo. A aprovação de uma mulher preta nos demonstra isso, quando um alcança, todo um grupo acredita que também pode alcançar, e projetos educacionais ajudam nesse caminho. Muito orgulho de ver a ANPR envolvida nessa missão”, disse Nathália.
Orgulho
A conquista representou orgulho para a ANPR e para os familiares, que testemunharam a jovem assinar o termo de posse, em um auditório lotado. A cena foi mais do que uma conquista pessoal.
“O orgulho que a gente sente é imenso por este momento. Pelo menos uma pessoa de nossa família, uma família de pretos, uma família de quilombolas. Posso até dizer que meu pai chegou a ser escravo, porque trabalhou desde os sete anos de idade. Isso impactou muito nossas vidas. E quando a gente vê que pelo menos uma pessoa conseguiu se sobressair a gente não tem palavras para resumir nossos sentimentos”, desabafa a irmã Joana Maia, logo após prestigiar a cerimônia de posse.
“Você perseverou e venceu os mais difíceis obstáculos desta vida. Por isso, obteve grande êxito nesta empreitada e, por isso, está neste lugar importante pelos seus próprios méritos. Foi muita renúncia, esforço e dedicação, mas valeu a pena, Karolzinha. Você é um grande exemplo a ser seguido. Que a justiça prevaleça sempre como rotina na sua vida”, declarou o tio Marino Maia.
Projeto Identidade
O projeto encontra-se em fase de reformulação. O objetivo da Associação Nacional dos Procuradores da República — em parceria com a Fundação Pedro Jorge e a Educafro –, com iniciativas como essa, é promover maior diversidade racial nos quadros do MPF e de outras instituições.
Inclusive, há um mês, a ANPR Raça requereu à Procuradoria-Geral da República a implantação de um projeto de capacitação de pessoas negras para o ingresso nos quadros do Ministério Público Federal.
Fonte: https://iclnoticias.com.br/jovem-do-pr-promotora-de-justica-quilombola/