Real perde fôlego com indefinição de juros dos Estados Unidos

O primeiro trimestre trouxe um gosto amargo para quem apostou na valorização do real ante o dólar. Depois de fechar 2023 com queda de 8,08%, na casa de R$ 4,85, o dólar acumulou nos três primeiros meses do ano alta de 3,34% ante o real – e cotado acima dos R$ 5,00. Uma parte dos analistas de mercado vê espaço para uma recuperação da moeda brasileira nos próximos meses, mas não se vislumbra a possibilidade de um dólar na casa de R$ 4,70. Nesta segunda-feira, 1º, dados da indústria mais fortes que o esperado nos EUA impulsionaram a moeda globalmente. Aqui, o dólar fechou a R$ 5,059, com alta de 0,87% no dia – maior cotação desde 13 de outubro.

Apesar dos ruídos políticos locais, o grande indutor da alta do dólar no trimestre passado foi a mudança das expectativas em torno da política monetária americana. E são justamente as apostas tanto para o primeiro corte de taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) quanto para o alívio monetário esperado para este ano nos EUA que vão determinar o comportamento do real nos próximos meses.

A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, lembra que em dezembro a expectativa era de que o Fed começaria a cortar os juros em março, com redução total de cerca de 1,5 ponto porcentual neste ano. Indicadores de nível de atividade e de inflação acima do esperado nos EUA, somados a falas mais cautelosas de dirigentes do Fed, levaram investidores a prever corte inicial em junho e redução total de 0,75 ponto porcentual neste ano.

“A expectativa era grande de apreciação do real no primeiro trimestre, sazonalmente mais favorável para a moeda. Além de o Fed poder cortar (os juros) em março, o mercado contava com um fluxo mais forte”, diz Andrea, ressaltando que, apesar do saldo comercial expressivo, o real sofreu com a alta global do dólar e com saídas da conta de capital, particularmente de investidores da Bolsa (B3).

O índice DXY – termômetro do desempenho da moeda americana em relação a seis divisas fortes – encerrou o primeiro trimestre com valorização na casa de 3%. O dólar também avançou ante a maioria das divisas emergentes, com raras exceções, como o peso mexicano.

“A economia americana mostra bom crescimento e tem taxa de juros atrativa, o que leva mais recursos para lá. É uma história de dólar forte no mundo, e não de real mais fraco, apesar dos riscos domésticos”, observa o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima. “O real deve se recuperar assim que houver mais certeza sobre a trajetória (de queda) dos juros americanos, com a taxa de câmbio caindo para perto de R$ 4,80.”

Fluxo

O impacto do fortalecimento global do dólar poderia ter sido mitigado por fatos capazes de atrair recursos externos ao País. Não foi o que aconteceu. A tentativa do governo Lula de emplacar nomes na direção da Vale e a retenção dos dividendos extraordinários da Petrobras despertaram temores de ingerência do governo em empresas de capital aberto. Houve também receio de uma guinada populista do Planalto após a queda de popularidade do presidente, com eventual desidratação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o principal fiador do compromisso com a responsabilidade fiscal.

Dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros retiraram neste ano (até 26 de março), R$ 23,57 bilhões da Bolsa brasileira. Segundo o Banco Central, houve saídas líquidas de US$ 6,36 bilhões pelo canal financeiro até 22 de março. O fluxo total no período ainda foi positivo em US$ 5,33 bilhões graças à entrada líquida de US$ 11,69 bilhões via comércio exterior.

Sinais

“Sazonalmente, o primeiro trimestre é de fluxo positivo para a Bolsa, mas houve saída de recursos. E isso atrapalhou o desempenho do real”, diz Andrea. “Embora a percepção seja de que Haddad ainda esteja forte, o conjunto de mensagens do governo piorou.”

A economista não vê alteração relevante da taxa de câmbio no curto prazo, mas acredita na possibilidade de o real se recuperar no segundo semestre, encerrando 2024 entre R$ 4,80 e R$ 4,90. Isso depende, sobretudo, de uma desaceleração dos indicadores de atividade e inflação nos Estados Unidos que dê confiança suficiente para o Fed começar a cortar os juros em junho.

Para o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, o melhor momento para o real já passou. “Os juros devem continuar caindo aqui, enquanto lá fora começam a cair em ritmo menor, o que aponta para um dólar mais pressionado”, diz.

Estadão Conteúdo.

Fonte: https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/economia/real-perde-folego-com-indefinicao-na-politica-de-juros-dos-estados-unidos/