Série “Encantado’s“ é sonho e alegria, dizem autoras

Amigas há mais de 25 anos, Renata Andrade e Thais Pontes assinam o roteiro de “Encantado’s”, série de sucesso do Globoplay que estreia sua segunda temporada na TV aberta nesta terça-feira (23), logo após “Renascer”.

Muito antes de se firmarem como dupla de criação, elas já escreviam trajetórias pessoais muito parecidas. Afinal, eram duas mulheres negras e publicitárias compartilhando da mesma paixão pela escrita sob a perspectiva do humor. Aliás, um humor na dose certa, daqueles que não ofendem, não oprimem e nem buscam romantizar a realidade suburbana.  

“Nós sempre gostamos muito de escrever e alimentávamos as nossas redes sociais com o que a gente via no mundo por um prisma bem humorado. Era comum receber feedback dos nossos amigos e isso foi potencializando o desejo de trabalhar como roteiristas”, conta Renata.  

“Começamos a fazer cursos de roteiro, focando em humor, compartilhávamos crônicas em nossos perfis e com isso a nossa capacidade passou a ser notada”, relembra. 

“Eu não achava que seria possível por muitas questões, então foi um começo de tentar, de ler, de fazer curso gratuito e eu acho importante falar disso porque muita gente partiu de outro ponto e é bom ver a gente também está chegando lá”, acrescenta Thais.  

À CNN, Renata e Thais compartilham a importância da identificação e presença negra nas telas enquanto protagonistas das próprias histórias e sonhos, vivências, ancestralidade e a dosagem respeitosa do humor na produção. Confira abaixo a entrevista completa.

Renata Andrade e Thais Pontes são autoras de “Encantado’s”, série original do Globoplay / Ana Alexandrino

Considerando a cena atual do audiovisual nacional, qual é a maior dificuldade em fazer comédia no Brasil? Aliás, qual é o DNA do humor e como encontraram esse equilíbrio na série? 

Thais: Eu acho que o ponto de partida disso tudo é o nosso DNA. A gente sempre olhou as coisas por essa ótica do humor, sempre colocando tintas fortes nas coisas que eram banais. Quando criamos o ‘Encantado’s’, partiu de bagagem pessoal, nós queríamos falar de nós. 

Na redação, temos o Antonio Prata e o Chico Mattoso, que são homens brancos. Hoje, para a terceira temporada, também temos a Hela Santana, que é uma mulher negra trans, mas a criação é minha e da Renata, duas mulheres negras. 

Temos um elenco 90% negro, mas não falamos de problemas, a gente toca no racismo porque não é um conto de fadas, mas esse não é o mote. A gente quer falar da família, do trabalho. Eu acho que criar a série sendo uma comédia, é, de alguma forma, um avanço. 

Renata: Quando falamos de questões raciais, trazemos muito das nossas vivências já que isso atravessa as nossas existências. Não tem como viver em um país muito racista e fingir que não acontece, mas a gente sempre lembra que ‘Encantado’s’ está a serviço do humor. Não é para ninguém ficar triste, então colocamos o opressor sempre ridicularizado. 

Uma síntese que eu acho que é muito do brasileiro é essa fé quase cega de que no final tudo vai dar certo. O humor no nosso texto está muito nisso, nessa habilidade brasileira de lidar com as adversidades sempre rindo de si mesmo. 

No X, antigo Twitter, os comentários sobre a trama são muito voltados para a identificação, tanto pelo elenco, de maioria negra, quanto pela história em si, que traz essa narrativa de um Brasil feliz. Esse era o objetivo de vocês enquanto roteiristas? 

Renata: Eu acho que tem espaço para todo tipo de conteúdo, acho que tem o conteúdo mais revelador, que toca nas nossas feridas mais profundas e elas servem como denúncia, que lembram que nossas dores ainda existem e, ainda que estejamos ocupando novos lugares, isso não pode ficar de lado, mas não é o lugar de ‘Encantado’s’. 

Nós usamos o direito desse lugar mais otimista, de gente que sofre, que apanha todos os dias, mas que é muito feliz, que brinca, que ri, de gente que se celebra. Essa a fatia que a gente escolheu.  

É importante que as pessoas não se vejam retratadas apenas em um lugar de dor, é bom que elas se vejam e tenham suas autoestimas valorizadas, se entendam como pessoas interessantes e sintam orgulho de quem elas são. 

Thais: Muito da maneira que as pessoas se identificam vem dessa proximidade com os personagens. Todo mundo, de alguma forma, é ou conhece alguém que está sendo interpretado ali. É muito bom ver que a gente criou algo querendo se ver e que isso chegou até o público. 

A gente trouxe o carnaval da Intendente Magalhães, que não é o carnaval da Sapucaí, é um carnaval sem holofotes e muitos cariocas nem o conheciam. É muito bom colocar isso na tela e ter o retorno da galera que está lá, que faz acontecer, que mostra todos os perrengues do dia a dia até chegar no sonho da Sapucaí. Então a série fala um pouco dessa dualidade com humor. 

E como funciona a divisão no processo de escrita entre vocês? 

Thais: Hoje em dia somos cinco na redação e é um processo muito colaborativo. Lá, todo mundo faz tudo. A gente se reúne diariamente, são horas de reunião pensando nas tramas. A partir daí, todo mundo escreve todos os episódios. 

Temos as etapas de leitura e um processo muito próximo com o Henrique Sauer [diretor artístico] que manda notas sobre os episódios e isso acontece tanto de lá para cá, quanto da redação para lá. A gente está no set, o que é muito importante e pouco comum nas produções. Existe essa troca muito próxima e isso faz com que seja uma série de todo mundo. 

Renata: Na equipe também tem muitas pessoas periféricas. A gente traz um olhar sobre o subúrbio, é um trabalho feito por pessoas que cresceram ali, que sabem onde ‘Encantado’s’ está no mapa e muito do resultado da série é consequência dessas vivências.  

Não é uma produção que fala do subúrbio feita por gente lá do outro lado do túnel e isso conta positivamente para gente. 

A segunda temporada chegou recentemente no Globoplay trazendo algumas participações especiais que vieram para somar, como tem sido o retorno do público? 

Renata: Uma das novidades é a chegada da Eliane Giardini. Nós já tínhamos mencionado a personagem na primeira temporada mas nada muito profundo. Quando decidimos trazer a Dalva para a nova leva de episódios foi muito por conta da presença do Madurão – papel de Tony Ramos – que iria diminuir consideravelmente por conta da novela “Terra e Paixão”. 

Ela veio, se juntou lindamente ao time, abraçou, vestiu a personagem de forma excepcional e estamos muito felizes. É legal porque ‘Encantado’s’ traz muito dessas pessoas midiáticas, do samba, atores e atrizes que pediram para participar.  

Thais: A segunda temporada é sempre uma expectativa. A primeira foi muito bem, as pessoas gostaram muito e a segunda, de alguma forma, é diferente. Nós demos uma sobrecarregada no humor, nos aprofundamos mais nos personagens, continuando com a base e o DNA da família Ponza com Eraldo (Luis Miranda) e Olímpia (Vilma Melo). 

A primeira tem aquela surpresa de que ninguém conhece aquele elenco, então a gente coloca 17 personagens na tela de milhões de pessoas e torce para que elas gostem. Na segunda, é um: ‘continuem gostando’. Nós já temos a certeza de que são papéis sólidos ao público, mas a gente se propõe a pirar um pouco mais, a subverter algumas coisas. O feedback que recebemos do Globoplay foi muito bom. Só que agora, TV aberta, é um canhão muito maior.  

Vocês acreditam que a brasilidade carnavalesca, enquanto manifestação cultural, e a fé, não só de maneira religiosa, mas a fé na vida, nas pessoas, em dias melhores, é a grande base para manter essa audiência e o sucesso? 

Thais: Acho que a gente tem pilares muito fortes na série. O da identificação, o da família, do romântico e da fé. São personagens brasileiros que sonham. Acho que também temos a vantagem de não explorarmos cartões postais do Rio de Janeiro. Isso é acerto muito grande do Sauer também, de focar em paisagens que a gente olha e fala: ‘Hum, isso pode ser em qualquer lugar’. 

Renata: Outro ponto é não deixar de lado a fé religiosa, então a gente fala isso de algumas maneiras. Óbvio que em primeiro lugar está a fé das religiões de matrizes africanas. Estamos falando de carnaval e não falar dessas religiões seria um equívoco. Por isso, falamos mesmo e citamos os Orixás.

Ver a relação das pessoas que não estão familiarizadas com isso é muito positivo, principalmente porque tudo foi feito de maneira respeitosa, nada impositivo. Simplesmente apresentamos a fé daqueles personagens. 

Mas também temos a representação evangélica, católica e acho que isso é uma forma de explorar não só a fé, mas a pluralidade religiosa no país.  

Para finalizar, a terceira temporada também já está confirmada para 2025, certo? O que podemos esperar? 

Thais: A gente pensa em muitas participações, mas também estamos focando em conhecer mais os personagens, desdobrando. O que eu posso dizer que é a gente terminou a segunda falando que foi melhor do que a primeira. Agora, estamos escrevendo o sétimo episódio da terceira e falando que está melhor do que as outras duas.

Renata: Sobre a terceira, também vale falar que estamos testando novas configurações de duplinhas. A gente entende o potencial dos personagens um com o outro, mas o elenco é maravilhoso e vamos testar outros caminhos que podem render.

Encantados é…? 

Renata: Alegria. Acho que é isso que resume aquelas existências. Apesar de todos os problemas, eles mantêm a alegria em primeiro lugar. 

Thais: Eu diria que é sonho. A palavra sonho vem para todos, muita gente ali está em seu primeiro trabalho, na primeira oportunidade e acho que ‘Encantado’s’ foi um grande salto. Está escrito lá nas paredes do mercado ‘Nós somos o sonho dos nossos ancestrais’ e eu acho que é isso. É o sonho para os personagens, para nós e para quem está se vendo nas telas.

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/serie-encantados-e-sonho-e-alegria-dizem-autoras/