“Quem vai pagar a conta é o povo. E a conta é alta”, alerta vereador Hélio Rodrigues sobre privatização da Sabesp

Para o parlamentar, entrega da Sabesp à iniciativa privada é um mal negócio para a cidade de São Paulo

A CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa) da Câmara Municipal de São Paulo) aprovou na segunda-feira (08/04) a constitucionalidade do PL (Projeto de Lei) 163/2024, que trata da privatização da Sabesp (Companhia de Água e Saneamento do Estado de São Paulo), enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Casa. 

Com cinco votos favoráveis e três contrários, a decisão da CCJ possibilita a adesão da capital à entrega da Sabesp à iniciativa privada. 

Uma das vozes dissonantes ao projeto no Legislativo paulistano, o vereador Hélio Rodrigues (PT), produziu um dossiê que mostra as contradições presentes nos argumentos favoráveis à venda da estatal, divulgado pela Hora do Povo na semana passada. 

Em entrevista ao HP, o parlamentar critica a venda da estatal “para fazer caixa para o governo” e aponta os prejuízos que a privatização acarretará aos consumidores. “Quem vai pagar a conta é o povo. E a conta é alta”, alerta. 

Ele também analisa as experiências negativas no Brasil e no mundo resultantes da privatização do saneamento, como no Rio de Janeiro, por exemplo. “Um descalabro!”. 

Leia a entrevista: 

O senhor está propondo a criação de uma empresa para prestar os serviços que hoje são entregues pela Sabesp ao município de São Paulo.  Em que cenário isso se daria? A modelagem dessa empresa seria como à da SANASA, de Campinas?

Hélio Rodrigues: O município de São Paulo é o titular do serviço de fornecimento de água e de esgoto. Hoje a Sabesp é contratada da Prefeitura para prestar esse serviço, mas, se amanhã a Sabesp for privatizada, o que eu proponho é que a própria Prefeitura assuma a prestação desse serviço, como é em Campinas e em outras cidades do Brasil. Aí o serviço continuaria sendo público estatal. 

A Sabesp sairia do município?

Eu não acho que a Sabesp deva ser retirada da cidade, desde que ela continue pública. A Sabesp é uma empresa do povo do estado de São Paulo. Não é do governador para ele sair vendendo para fazer caixa para o governo, mas se ele continuar insistindo nessa ideia, eu gostaria muito que o meu projeto fosse aprovado.

Qual seria o ganho para o município e os consumidores? 

Se a Prefeitura passar a entregar água e a tratar esgoto para os moradores na cidade, nenhum investidor privado vai querer comprar a Sabesp. Os moradores do município de São Paulo e as empresas daqui que consomem a água nos seus processos produtivos são responsáveis por quase 50% da receita da Sabesp. Tirando essa receita da companhia de saneamento, as possibilidades de lucro serão reduzidas pela metade e o mercado não vai ter interesse no negócio.

Como está colocada a questão da tarifa social? Qual peso os vereadores estão dando a esse ponto? O consumidor de baixa renda pode ser prejudicados caso a privatização da Sabesp ocorra?

Hélio Rodrigues: Eu participei da Comissão de Estudos da Câmara Municipal sobre a privatização da Sabesp. Pudemos ouvir muitos especialistas e analisar diversos documentos, mas infelizmente a bancada do governo do prefeito encerrou a comissão antes que nós pudéssemos ouvir uma série de pessoas, quando nós poderíamos aprofundar essa questão.

A análise é que essa política poderia avançar? 

O que deu para verificar é que a tarifa social, ou seja, a água mais barata para quem não pode pagar, tem potencial de ser ampliada. O que quero dizer é que muita gente que tem direito à tarifa social não tem esse benefício. Agora se a Sabesp for vendida, quem comprar não vai querer ampliar a tarifa social. Pelo contrário, vai querer que mais gente pague a tarifa cheia, sem desconto nenhum, porque o que pauta a iniciativa privada é o lucro, não é a prestação de serviço bom e barato.  

Além de ser uma empresa lucrativa – as contas da estatal estão em dia e estudos apontam que a Sabesp dispõe das condições para atingir as metas da universalização até 2033 – o que justificaria hoje a sua privatização?

Hélio Rodrigues: Nada. O argumento da antecipação da universalização é muito usado pela Secretária Estadual do Meio Ambiente para querer justificar a privatização. Acontece que isso não é verdade. A Sabesp como está hoje, com a sua capacidade de planejamento e investimento está preparada para dar cobertura para 100% das residências até 2029. Isso foi colocado na Comissão de Estudos.

Um eventual controlador da Sabesp se comprometeria com essa meta? 

Para acelerar ainda mais a universalização, uma empresa privada teria que investir mais capital e de onde viria esse dinheiro? Não existe mágica. Viria do aumento das tarifas. Por isso que eu digo que quem vai pagar a conta é o povo. E a conta será alta. A população não vai ganhar nada com a privatização.

Plano Municipal de Saneamento: que cenário vislumbrar caso a Sabesp seja vendida?

Essa é uma questão complexa porque com a adesão do município à URAE (Unidade Regional de Água e Esgoto) que congrega 375 municípios, São Paulo abriu mão de parte da sua capacidade de planejamento. Na URAE, todos os municípios têm voto e a maioria pode não ter interesse que sejam feitos tantos investimentos na capital porque vão querer priorizar os seus interesses. Isso vai limitar a nossa cidade no momento de reelaborar o plano municipal. 

Quais as implicações para o Município de SP com a revogação do dispositivo legal pelo Executivo paulistano que amortizaria os investimentos previstos pela companhia, celebrados no acordo entre o Município e a estatal em 2010?

São implicações gravíssimas. O projeto de lei que o prefeito enviou para os vereadores revoga exatamente esse dispositivo. A Câmara não pode revogar e a população precisa saber que essa revogação será um desastre para o município. Os vereadores que se preocupam com os seus eleitores têm que votar contra essa revogação e seria ótimo se cada pessoa cobrasse isso do seu vereador. 

Poderia esclarecer um pouco mais esse ponto?

No atual contrato com a Sabesp existe a obrigação de amortização total dos investimentos no vencimento do contrato, ou seja, em 2040. O que o prefeito e o governador querem é desobrigar a empresa privada que comprar a maioria das ações da Sabesp. Com isso o município de São Paulo vai ficar com uma dívida bilionária e ele ficará preso ao contrato por muitos anos até pagar essa dívida de amortizar os investimentos.

Privatização da CEDAE/RJ: é água que não chega a localidades, é queda na qualidade dos serviços, é aumento da tarifa; no Amazonas, com duas décadas de serviços privados, apenas 12,5% do esgoto coletado na cidade é tratado.  Que lição se pode tirar disso?

Eu estudei o caso do Rio de Janeiro, de Manaus e também do Tocantins para o dossiê que eu apresentei após o fim dos trabalhos da Comissão de Estudos. 

No caso do Rio, apenas a área urbanizada tem abastecimento regular, ou seja, onde estão os ricos e a classe média. Além disso, existem locais turísticos do Rio que viraram esgotos a céu aberto. O próprio jornal Hora do Povo entrevistou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Saneamento e eu usei essa entrevista no meu dossiê. A privatização da água no Rio de Janeiro foi um descalabro.

A mesma coisa em Manaus: 91% das reclamações dos consumidores lá são sobre os serviços de água e esgoto. No Tocantins, onde os serviços foram privatizados, 70% não têm saneamento básico.

E no cenário internacional? 

Atlanta, Berlim, Budapeste, Buenos Aires e La Paz, que tinham privatizado os serviços de abastecimento de água e saneamento, voltaram atrás porque (o serviço privado) excluía milhões de pessoas e causava danos ambientais. Portanto, a lição que podemos tirar é que a Sabesp precisa continuar sendo uma empresa pública. 

Qual é a leitura que se faz sobre o levantamento do Instituto Trata Brasil divulgado em março último, que avaliou o desempenho das empresas de saneamento no país?

Eu posso falar sobre o município de São Paulo. Ele aparece no ranking de cobertura de saneamento do Brasil com ótimos indicadores, como 99,29% de atendimento total de água, 97,31% de atendimento total de esgoto e 73,08% de esgoto tratado. Basta comparar com a situação de Manaus que comentamos pra ver que a privatização não traz vantagem, a não ser para o mercado e eu defendo que água não pode ser tratada como mercadoria.

Em entrevista recente, o vereador Milton Leite, presidente da Câmara Municipal de SP, disse que não há, no momento, apoio suficiente para aprovar o PL que privatiza a Sabesp, na Casa. Há uma correlação de forças no Legislativo paulistano capaz de barrar esse processo?

Eu sei que a conjuntura é difícil e que o prefeito tem maioria na Câmara. O governador está no mesmo campo do prefeito, os dois estão à direita e apoia o prefeito para a reeleição. Logo, eles estão alinhados no propósito de privatizar a Sabesp. Acontece que eles precisam dos votos dos vereadores para aprovar o projeto e os vereadores precisam do voto do povo para se reelegerem. O povo não está a favor da privatização da Sabesp, então eu acho que existe, como disse o presidente da Câmara, um desconforto mesmo. 

Nosso papel, como vereadores de oposição e antes de tudo comprometidos com a justiça social, é obstruir a votação do projeto, exigir que ele seja debatido em todas as comissões e convencer os demais vereadores que a privatização da Sabesp é um mal negócio para São Paulo, independente deles serem por ideologia a favor de privatizações.

JOSI SOUSA

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