Suicídios de policiais aumentaram 63% no primeiro ano da gestão Tarcísio em São Paulo 

São Paulo é o estado que lidera o número de vítimas de suicídios entre profissionais de segurança pública

Números da Polícia Militar mostram que 31 policiais cometeram suicídio em 2023. Este é o maior número em 11 anos e um aumento de 63% em relação ao ano anterior. Os dados da Lei de Acesso à Informação (LAI), obtidos pelo portal Ponte Jornalismo, mostram que esta foi a segunda causa mais frequente de mortes de policiais, atrás somente de morte natural (32), e a frente das mortes em confronto.

Os números da PM desmentem a fala do secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, de que houve redução de suicídios de policiais militares. Em entrevista à Jovem Pan, ele comemorou uma suposta redução de 20% nos casos. 

“Conseguimos reduzir ano passado 20% dos casos de suicídio”, declarou Derrite.

Os dados mostram que os homicídios de PMs, contudo, estão em queda constante e foram responsáveis por menos mortes do que as causas naturais, decorrentes de doenças, por exemplos, acidentes e suicídios. Em 2023, foram 16 vítimas de homicídio, o segundo menor número da série histórica, o que representou uma queda de 82% em relação a 2012, ano que teve o índice mais alto do período e concentrou ataques do crime organizado contra policiais. 

Além disso, policiais correm mais risco de vida quando não estão vestindo a farda: um PM tem oito vezes mais chance de morrer no horário de folga. No caso dos suicídios, 96% ocorreram fora do horário de trabalho.

Os dados também colocam em xeque a política adotada pelo gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de montar operações especiais da PM que promovem dezenas de mortes em bairros pobres em nome da bandeira de combater os homicídios de policiais, caso da operação Escudo, que matou 28 pessoas na Baixada Santista entre julho e setembro do ano passado, e da segunda operação na mesma região, também chamada de Escudo ou Operação Verão, que matou 56 pessoas, em meio a dezenas de denúncias de torturas, ameaças e execuções.

“Isso mostra que, se a gente quer falar sobre a vida do policial, sobre o policial estar vivo, o policial estar saudável, talvez a gente esteja, às vezes, concentrando esforços no lugar errado”, aponta Fernanda Cruz, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) em declaração ao portal Ponte Jornalismo. Para ela, a retórica do governo estadual, que coloca no centro a questão do homicídio de policiais, acaba apagando problemas que causam mais mortes, como os suicídios.

Ainda, é importante lembrar que, dos 16 policiais vítimas de homicídio no ano passado, em pelo menos dois casos os PMs foram assassinados por um colega de farda. Em Salto, o capitão Josias Justi da Conceição Junior e o sargento Roberto Aparecido da Silva foram mortos, em janeiro, pelo sargento Claudio Henrique Frare Gouveiaem Salto, que acabou condenado a 45 anos de prisão pelo crime. A motivação teria sido divergências por escalas de trabalho que estariam afetando sua vida pessoal.

Em abril, um soldado foi morto pelo seu superior após uma discussão que também envolveria o mesmo motivo. Na época, policiais denunciaram à reportagem que gritos e humilhações faziam parte do cotidiano de quem serve na 4ª Companhia do 46º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) e que a mudança de escala de trabalho estava sendo usada como um tipo de punição dentro do quartel por causa de danos a viaturas.

ESTADO DE SÃO PAULO

São Paulo é o estado que lidera o número de vítimas de suicídios entre profissionais de segurança pública e, só em janeiro de 2024, já constam duas vítimas, segundo o painel estatístico do Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça Criminal (Sinesp), do Ministério da Justiça, que também apontam para nove suicídios cometidos por policiais civis em 2023. Os dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) enviados ao Ministério apontam 30 PMs vítimas de suicídio, um a menos do que o número informado via LAI.

A pesquisadora Fernanda Cruz acredita que as corporações ainda tratam o tema como tabu. “Muitas instituições ainda veem esse tipo de caso como uma vulnerabilização da própria instituição”, afirma. “Existe uma restrição em discutir esses casos por conta de o quanto isso afeta a imagem do policial herói. A imagem que a sociedade tem na cabeça quando pensa num policial é aquele policial viril, aquele policial forte.”

Coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a psicóloga Juliana Martins concorda e indica que valores como força, masculinidade e de enfrentamento ao inimigo cultuados pela corporação não são vistos como um problema institucional. “Quando o policial precisa de ajuda, não raro as organizações tratam isso como um problema individual e pouco olham para o quanto a própria organização policial está adoecendo esses profissionais. Então quando a gente tem os números de suicídio, possivelmente a gente tem um número infinitamente maior de profissionais doentes, que não estão se reconhecendo”, alerta.

Fatores referentes a condições de trabalho são as hipóteses mais comuns observadas em estudos sobre o que levam PMs a tirarem a própria vida ou a praticarem atos extremos como assassinar colegas, de acordo com Adilson Paes de Souza, que é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direitos Humanos pela mesma universidade e tenente-coronel da reserva da PM paulista. “Isso vai desde as instalações físicas, se é um ambiente que se possa promover um certo acolhimento para o policial, e as relações entre pares e entre pares e superiores”, explica.

“A militarização entre muito nesse quadro. Nós temos uma organização muito fechada. Ou seja, o modo como a instituição está estabelecida, com a relação entre seus membros, o ambiente de trabalho, podemos falar em termos gerais, colabora muito mais do que o risco inerente à profissão para a prática do suicídio”, prossegue. “Esses números mostram que a instituição está sendo mais nociva para os policiais do que os ditos marginais que possam querer tirar a vida do policial”.

Outro sintoma de um problema na corporação é o aumento de exonerações, ou seja, policiais militares pedindo demissão, segundo José Vicente da Silva Filho, que é coronel reformado da PM paulista e membro do Conselho da Escola de Segurança Multidimensional da USP. Uma reportagem da Revista Veja revelou que, até 9 de novembro de 2023, 614 PMs haviam sido exonerados naquele ano. O número, ainda que incompleto, demonstra que a insatisfação vem crescendo desde 2017, quando foram contabilizados 296 casos, o que equivale a um aumento de 107,4%.

“Isso é um indicador de mal-estar de uma parte do contingente da PM, porque sair da corporação, com todo o salário que dá, hospital que atende familiares, que é bem razoável, a Cruz Azul, tudo isso são benefícios a que esses policiais renunciam quando vão embora”, aponta José Vicente. “Claro, é uma perda grande de ativos para a PM, que demorou muito para recrutar, preparar, dar experiência para eles, mas é um indicador também de problemas na qualidade do ambiente de trabalho.”

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