O governo federal anunciou o investimento de R$ 1 bilhão no Programa “Conhecimento Brasil”, que tem como objetivo repatriar pesquisadores brasileiros que deixaram o país para trabalhar e viver no exterior com títulos de mestrado e doutorado.
Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação sobre a chamada ‘fuga dos cérebros’ no Brasil, ao menos 35 mil pesquisadores brasileiros deixaram o país para desenvolver pesquisas no exterior.
Ainda de acordo com levantamento da pasta, a falta de reconhecimento financeiro e social estão entre os motivos principais que levam os cientistas a escolheram residir em outros países.
O investimento será parcelado em 5 anos (em média, R$ 200 milhões por ano) e o programa atuará em duas frentes: R$ 800 milhões para custeio de bolsas, auxílios e aquisição de equipamentos, vinculados a instituições de educação superior ou empresas nacionais e R$ 200 milhões para o estabelecimento de parcerias internacionais entre pesquisadores que atuam no Brasil, em instituições de educação superior ou empresas, com cientistas brasileiros atuando em instituições de fora do país.
Os valores terão origem no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), e sua alocação para essa finalidade – um dos dez temas estratégicos definidos em junho de 2023 – foi aprovada em conselho no qual detêm assento entidades da comunidade científica.
“Preservados de um possível contingenciamento após negociações protagonizadas pela comunidade científica brasileira, os recursos desse fundo não podem ser aplicados em finalidades outras, cujo custeio compete ao Orçamento da União. Também voltada à fixação de pesquisadores no país, a chamada para Bolsas Pós-Doutorado e Doutorado Sanduíche (32/2023) alcançará R$ 276 milhões, mais que o dobro dos R$ 124 milhões previstos, ampliando também as taxas de atendimento em relação a anos anteriores. Os resultados dessa chamada estão em fase final de processamento e serão divulgados em breve”, afirma nota do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O presidente do órgão, Ricardo Galvão, afirmou à Folha de S.Paulo que “não adianta ter ciência sendo feita só em instituições de pesquisa, pois assim o país não avança. Precisamos de doutores em empresas que promovam a inovação e o desenvolvimento tecnológico com base no conhecimento científico moderno“.
“Nós lançamos uma proposta ao FNDCT e gostaríamos de atraí-los de volta ou, para aqueles que não vierem, que tenham um canal de colaboração com o Brasil”, explicou Galvão.
O projeto oferecerá bolsas especiais com um valor mensal de 13 mil reais a pelo menos mil cientistas. A quantia é comparável ao salário de um professor adjunto em universidades federais.
FALTA DE OPORTUNIDADES
A iniciativa do governo é alvo de críticas na comunidade científica, apesar de ser vista como positiva pelos pesquisadores.
“Os objetivos do programa são nobres. A repatriação de cientistas no exterior é uma forma de se atacar o problema da fuga de cérebros. Os benefícios dados aos pesquisadores contemplados são excelentes, seria ótimo se os demais programas do CNPq seguissem tal modelo. Então, se o programa tem bons objetivos e oferece bons benefícios, por que foi considerado um desastre?”, questiona Carlos Takeshi Hotta, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), no Jornal da USP.
Para o professor, o anúncio do programa coincide com a mobilização de servidores e docentes de diversas universidades federais em torno de uma greve que pede melhores salários e melhores condições de trabalho e pesquisa. “É claro que o anúncio de um programa bilionário que beneficia pesquisadores que não estão nestas universidades será ferozmente criticado. O sentimento de desamparo dos grevistas amplifica a indignação com os problemas supracitados. Uma falta de senso político, inclusive, parece ser uma marca da atual gestão do ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que já teve falas atrozes contra mães pesquisadoras”.
“Uma das razões da fuga de cérebros é a falta de oportunidades oferecidas a jovens pesquisadores no país. Não há um programa remotamente parecido com o Conhecimento Brasil que seja oferecido aos jovens doutores, que não conseguem vagas nas universidades públicas nem bolsas de pós-doutorado. Para fins de comparação, os jovens pesquisadores que tiveram o privilégio de ser contratados deveriam se juntar em grupos de no mínimo três para requisitar R$ 16,5 mil por pesquisador, na Chamada Universal para Grupos Emergentes, que teve um custo total de R$ 120 milhões. Ou seja, focar tanto recurso nos pesquisadores brasileiros que estão no exterior enquanto os que estão no país se encontram precarizados é um contrassenso. É inclusive interpretado por alguns como um incentivo para ir ao exterior”, apontou o professor.
“O programa prevê benefícios aos pesquisadores repatriados por cinco anos. Porém, não se sabe qual a previsão de novos concursos para que esses pesquisadores sejam absorvidos pelas instituições brasileiras ou se eles acabarão voltando para o exterior. “Editais para este programa serão abertos anualmente, ou será apenas uma vez? Talvez esse dinheiro seria mais bem aproveitado se fosse distribuído ao longo de 10 anos? Será que R$ 200 milhões anuais não poderiam ser gastos de forma mais eficaz em talentos que estão em solo nacional?”, questiona Carlos Takeshi Hotta.
“Precisamos de um sistema mais robusto de financiamento da Ciência brasileira, da abertura de mais concursos, de concursos que sejam mais conscientes com pesquisadores que estão em outros Estados e outros países e, obviamente, salários mais atrativos”, afirmou o professor da USP.
“Não é um programa que vai trazer estes pesquisadores de volta ao país, é uma política inteira. É só observar o que aconteceu nos governos Lula 1 e Lula 2. Já o programa Conhecimento Brasil deveria ser repensado para incluir recém doutores que estão presentes no Brasil. Assim, ele ficaria mais parecido com o Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador da Fapesp e serviria tanto para repatriar pesquisadores no exterior quanto para reter talentos no país”, finalizou.
ERROS
O pesquisador Tiago Ventura, que atualmente realiza pesquisas nos Estados Unidos, criticou o projeto em seu perfil no X (antigo Twitter). Ele apontou que “há duas formas possíveis de “repatriação”, via recursos ou via pessoal. Na primeira, você abre espaços de colaboração entre pesquisadores brasileiros no exterior e locais. Na segunda, você facilita o retorno efetivo para instituições locais. O programa erra em ambos os lados”. Pois, “no pessoal, não é possível falar em repatriação via política temporária de bolsas. Repatriação é somente viável com mudança na carreira, desburocratização dos concursos, dos diplomas internacionais, melhores condições de pesquisa e aumento de salários.
“Quais incentivos para um brasileiro sair de uma posição estável (tenure track por exemplo) para retornar ao Brasil via bolsas? Sem garantia de carreira? Com poucos concursos para vagas efetivas e com eles em sua maioria tendo custo alto de participação? Eu respondo: zero”, afirmou o pesquisador.
Outra opção seria repatriar via transferência de conhecimento, projetos de pesquisa conjuntos, laboratórios em dois países, colaboração internacional. “Estas opções não estão inseridas no projeto. A obsessão na repatriação amarra acesso a recursos a retornar fisicamente ao País”, destaca Tiago Ventura.
“Em resumo, infelizmente, o projeto nesse desenho atrairá majoritariamente pesquisadores em posições precárias aqui, por exemplo, postdocs e PhDs recentes, ao invés de “de fato” repatriar brasileiros inseridos e com experiência de pesquisa em instituições de ponta. Um desastre. Dito isso: lançar um projeto desses em um contexto de greve nas universidades federais é absolutamente desrespeitoso com a categoria. Não há repatriação sem melhora nas condições de trabalho das federais”, finalizou.
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